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A cultura da família refletia nas esculturas e túmulos arquitetônicos na hora de enterrar seus entes queridos

Para quem já passou próximo ou visitou  um cemitério daqueles bem antigos deve ter visto aqueles mausoléus gigantescos com formas de igrejas, casas, onde eram colocados até portões. Eram túmulos recheados de símbolos e esculturas com diversos significados. A arte tumular é uma  forma de representação que pode sinalizar uma crença, um contexto histórico, ideológico ou socioeconômico entre a vida e a morte.

 

Arte tumular

 Segundo Clarissa Grassi, pesquisadora,  a criação de cemitérios  extramuros, como conhecemos hoje, motivou o que estudiosos da morte como os franceses Phillipe Ariès e Michel Vovelle chamam de morte cultural, expressa pelo ritual fúnebre, sepultamento e luto. É nesse contexto que surge a arte tumular, presente de forma mais intensa nos cemitérios católicos. São manifestações expressas por meio da construção e adornos dos túmulos, chamadas de morte burguesa. Nessa busca de diferenciar o ente querido, famílias personalizaram os túmulos, individualizando-os, negando a morte por meio do discurso religioso e seus símbolos, demonstrando poder ao construir edificações suntuosas. É o chamado período áureo da arte tumular, que no Brasil, ocorreu entre 1860 a 1930, onde o mármore ganha grande destaque na confecção dos túmulos, posteriormente sendo substituído pelo bronze. Esse movimento pode ser facilmente visto nos cemitérios mais antigos, geralmente já cercados pelo crescimento da cidade. Entre as esculturas mais frequentes, encontram-se peças com temas religiosos, como a pietà, imagens de anjos e santos de devoção, além de ornamentos como ampulhetas aladas, guirlandas e símbolos cristãos.

Os túmulos eram recheados de símbolos e esculturas que refletiam nas crenças, religiões e ideologias entre a passagem da vida para a morte. Cemitério São Francisco De Paula/ Curitiba.

 

Cemitérios

De acordo com Clarissa, até o século XIX a maioria dos enterros acontecia em igrejas, dentro de suas naves ou em terrenos contíguos. Era o chamado enterro ad sanctos (junto aos santos) que teve origem com a consolidação do cristianismo e a consequente construção de igrejas em torno do túmulo de santos e mártires. Com o crescimento das cidades e o aumento da população, a questão do enterro dentro das igrejas acabou virando um problema de saúde pública. Médicos higienistas apontavam a necessidade de se criarem áreas  específicas para o enterro dos mortos, longe dos vivos, livrando-os assim da contaminação pelos miasmas (gases e líquidos produzidos pela decomposição dos cadáveres, vistos como insalubres para a população).

 

Os cemitérios no Brasil

No Brasil, um decreto imperial promulgou em 1828, uma lei proibindo o enterro em igrejas e indicando a construção de cemitérios. Foi um movimento lento e gradual, pois a maioria das pessoas resistia em abandonar o uso de um solo sagrado para enterrar seus entes queridos em uma área que era considerada profana. A maioria dos cemitérios extramuros, assim chamados por serem construídos fora do perímetro da cidade, tem sua inauguração a partir da metade do século XIX. 

 

A visão de morte e o impacto na tipologia dos cemitérios

Como a visão da morte – a maneira com a qual lidamos com a morte – muda ao longo do tempo, a chegada do século XX acarreta em um discurso mais racional, em que a morte passa a ser domínio dos médicos, ocorrendo em hospitais, locais assépticos onde muitas vezes a família é impedida de permanecer. Nesse distanciamento para com a morte, a arte tumular perde espaço para a construção de túmulos cada vez mais simples, quase sem ornamentos, reiterando uma visão mais racional.

Surgem novas tipologias de cemitérios como o tipo parque ou jardim, assim como a cremação passa a ser mais utilizada. A secularização dos cemitérios em decorrência da implantação do estado laico também acaba contribuindo para que os túmulos deixem de carregar tantos símbolos com referências religiosas. Daí a importância de se conhecer e preservar as antigas construções em nossos cemitérios, resquícios de um discurso simbólico e artístico para a vida além da morte.

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